Acúmulo de função | Como identificar?

pessoa cansada no trabalho

É comum ouvirmos falar que alguém está trabalhando muito e que não tem tempo para mais nada – isso quando não ocorre conosco mesmo. Apesar de ser normal esse tipo de queixa, é importante sabermos delimitar quando um funcionário de determinada empresa está apenas cansado com o cotidiano em si ou se, de fato, ele está sobrecarregado em seu trabalho.

Isso acentuou-se com a alta incidência de síndromes e transtornos mentais e psicológicos que qualquer um de nós estamos vulneráveis a sofrer, como a síndrome de burnout e a crise de ansiedade.

Mas você já ouviu falar no acúmulo de função? Sabia que isso pode ocorrer em qualquer ramo profissional e em qualquer nível hierárquico/cargo?

Se este assunto te acendeu um alerta, continue a leitura para entender melhor!

O que é função?

Antes de falarmos sobre o acúmulo de função, é necessário delimitarmos o que é, de fato, função. Função é um conjunto de direitos, deveres, atribuições e responsabilidades que alguém exerce no âmbito profissional, independente do cargo que lhe compete. Esse conjunto pode ser definido por convenção trabalhista da categoria, pelo próprio contrato de trabalho ou, ainda, pelas limitações decorrentes de um diploma.

Para tanto, é necessário que estejam claras as funções e atribuições que aquele empregado exercerá desde o momento de sua contratação, devendo constar, explicitamente, em contrato de trabalho e na CTPS dele.

E o que vem a ser o acúmulo de função?

Agora que já sabemos o que é função, falaremos sobre o ponto central desse artigo: o que é o acúmulo de função?

Acúmulo de função é quando o empregado exerce, além da sua função para o qual foi contratado, alguma outra/outras, simultaneamente, sendo que essas últimas não estejam especificadas em contrato de trabalho ou em sua CTPS. Ou seja, é quando o empregado trabalha em diversas funções ao mesmo tempo. Por exemplo: João foi contratado para ser assistente de marketing, mas, além de sua função, começou a exercer também a função de gerente financeiro.

Um outro caso bem conhecido de acúmulo de função é quando um funcionário é desligado da empresa e o seu trabalho é repassado para o seu colega que permaneceu que, além de suas atribuições, exerce daquele que foi embora.

Porém, para que seja configurado o acúmulo de função, é necessário que ocorra com habitualidade, frequentemente. Ou seja, quando o chefe solicita, uma vez ou outra, determinado compromisso, isso não é considerado acúmulo de função.

O que a CLT diz sobre o acúmulo de função?

Apesar de não existir uma lei específica regulando o assunto, já temos algumas diretrizes essenciais vindas de jurisprudências espalhadas por todo o país, que são adotadas por juízes e que se tornam costumeiras na sociedade. São, basicamente, duas:

1) As atividades extras são de natureza muito distinta das funções estabelecidas em contrato;

2) Exigência de forma habitual, e não eventual — como em uma emergência, por exemplo.

Ou seja, para que se configure um acúmulo de função é necessário que a natureza das funções seja diferente entre si e que a exigência seja frequente, e não apenas eventualmente.

O que caracteriza o acúmulo de função no trabalho?

Como vimos, o acúmulo de função ficará caracterizado quando:

1) A natureza das funções for muito diferente entre si

2) A exigência for frequente e não eventual

Imagine a seguinte situação: João foi contratado por uma empresa para ocupar o cargo de assistente de marketing, integrando, portanto, o time de marketing. Seu empregador, Alberto, é sozinho para administrar toda a empresa e, ultimamente, começou a necessitar, mais do que antes, de um sócio financeiro. Porém, ele não possui sócio porque nunca encontrou alguém alinhado com seus propósitos e em que pudesse confiar.

João começou a se destacar na sua função e Alberto pediu-lhe para “quebrar uns galhos” para ele na parte financeira, já que João tem habilidade nesse assunto também. Só que esses pedidos, com o tempo, começaram a aumentar e se tornarem, cada vez, mais frequentes, chegando ao ponto de atrapalhar o seu trabalho como assistente de marketing. Alberto, em nenhum momento, aumentou o salário de João ou promoveu-o a outro cargo.

Agora imagine essa outra situação: Isabel exercia o cargo de analista administrativo e Mariana o de Gerente de Operações. Em virtude da crise econômica, a empresa decidiu por fazer um drástico corte de pessoal e desligou Mariana de seu quadro de funcionários, tendo em vista seu alto salário.

Assim que saiu da empresa, todo o trabalho de Mariana foi direcionado para Isabel, que continuou a exercer o seu cargo para o qual foi contratada juntamente com a nova função a ser desempenhada, por mais que não esteja previsto em seu contrato de trabalho.

Conhece alguém que já tenha passado por alguma das situações acima? Essas cenas, infelizmente, não são muito distantes da realidade e em ambos os casos está caracterizado o acúmulo de função.

Qual a diferença entre acúmulo e desvio de função?

Embora ambos termos sejam parecidos, há uma relevante diferença entre cada um deles. Como já vimos, o acúmulo de função é quando um funcionário exerce a sua função para o qual foi contratado e uma outra, simultaneamente, diferente daquela outra e de forma frequente.  

Já o desvio de função, como o próprio nome sugere, o funcionário é contratado para exercer uma determinada função, mas acaba exercendo outra diferente, porém, com o salário daquela primeira função. Por exemplo: Ricardo foi contratado para exercer a função de assistente de qualidade, mas, na verdade, começou a exercer a função de coordenador de logística. Repare que a natureza entre cada função é bem distinta e uma terá um salário maior do que a outra.

Importante ressaltar que tanto o acúmulo quanto o desvio de função são consideradas ilegais e cabe indenização em ambos os casos.

O que pode acontecer caso o acúmulo de funções ocorra?

Como informamos, o acúmulo de função não está previsto, exclusivamente, na CLT e em nenhuma outra lei específica; entretanto, o artigo 818 da CLT permite um esclarecimento de impacto sobre o assunto e do qual o funcionário deve se atentar ao denunciar sua situação na Justiça ou mesmo para dialogar com a gestão da empresa em que trabalha.

Dessa forma, caso fique configurado o acúmulo de função, cabe ao empregado exercer seu direito em dois casos:

·  Rescisão indireta do contrato de trabalho

Nesse caso, o contrato de trabalho do funcionário é encerrado devido à falta grave cometida pelo seu empregador – pois há uma quebra contratual – e é devido todas as verbas rescisórias relativas ao término de seu contrato de trabalho (férias proporcionais, FGTS, multa de 40%, 13º salário proporcional, horas extras, dentre outras) e, também, à indenização de diferenças salariais. Importante mencionar que o aumento salarial definido na Justiça será aplicado, também, a essas verbas. A rescisão indireta assemelha-se com a rescisão sem justa causa.

·  Reenquadramento de cargo

Nesse caso, o funcionário pode acordar com a gerência da empresa, se for de seu interesse, e ser reenquadrado, assumindo, portanto, a nova função – que já exercia de forma complementar – com o recebimento do respectivo salário da nova função.

Entretanto, é importante que ele deixe a antiga função e passe a exercer, exclusivamente, a nova, pois, caso contrário, manterá configurado o acúmulo de função, mesmo com o possível aumento salarial.

Como provar o acúmulo de função?

Importante informar, desde já, que a obrigação de comprovar a configuração de acúmulo ou desvio de função cabe, exclusivamente, ao empregado. Para tanto, quanto puder juntar de prova, melhor.

Para esse caso, é primordial que se tenha prova documentais – sejam e-mails e/ou mensagens trocadas entre empregado x empregador; seja algum documento que o empregado teve que assinar na condição de exercer, naquele momento, a função complementar e que caracterizou o acúmulo de função posteriormente – e testemunhas que tenham vivenciado a rotina daquele funcionário que teve o acúmulo de função em sua empreitada e que possam confirmar, na Justiça, o que o funcionário pleitear (desde que, de fato, tenha-se configurado o acúmulo de função).

Para isso, é essencial que se consulte um advogado trabalhista para que possa auxiliá-lo e orientá-lo da melhor forma possível nesse caso, já que envolve detalhes subjetivos e que, ao primeiro momento, pode-se não perceber o acúmulo de função ou perceber de forma errônea e prejudicar todo o processo.

Qual a base de cálculo do acúmulo de função?

Embora não haja uma legislação específica sobre o acúmulo de função, para se chegar à apuração de sua base de cálculo usa-se muito das jurisprudências e legislações análogas.

Para tanto, é necessário certificar quanto é a média salarial da função complementar em questão, para que seja feita a indenização em relação aos meses efetivamente trabalhados — tanto no caso de acúmulo, quanto no caso de desvio de função.

Isso é importante para garantir que, conforme os meses de excesso de trabalho forem registrados, o profissional seja ressarcido conforme o padrão de que cada cargo exige por meio de sua base salarial. Para tanto, usa-se, geralmente, um acréscimo percentual, que varia entre 10% e 40% do salário.

Contudo, importante mencionar que se deve levar em consideração cada caso concreto, pois, uma vez que seja determinado o acúmulo de função, este mesmo valor refletirá em todas as outras verbas salariais (como férias, FGTS, horas extras, dentre outros).

Como prevenir o acúmulo de função na empresa?

Como podemos observar, o acúmulo de função traz inúmeros prejuízos não somente aos funcionários, mas, sobretudo, à empresa também. O primeiro passo para se evitar este cenário em qualquer incorporação é alinhar todos os gestores com o time de RH para que se elabore um bom plano de cargos e salários e se faça um levantamento de quantos funcionários e de quais áreas cada um pertence.

Outros passos para se evitar que a empresa atravesse maus caminhos com a configuração de acúmulo de função é:

·  Monte um organograma com descrição de cargos e funções;

·  Delegue funções;

·  Estabeleça prazos de entrega para cada trabalho;

·  Planeje um checklist para cada setor e, subsequente, para cada trabalho;

·  Monte um fluxo de processo com etapas bem definidas;

·  Abrace a tecnologia;

·  Realize feedbacks e treinamentos periódicos nos processos da empresa;

·  Praticar transparência e comunicação aberta.

Quais são os principais problemas para a empresa?

Os prejuízos que a empresa sofre quando configurado um acúmulo de função são inúmeros, podendo prolongar-se por anos e, muitas das vezes, podem ser irreversíveis.

A começar pelo próprio impacto com o eventual pagamento de indenizações decorrentes da sobrecarga de trabalho (lembra que há de se pagar todas as verbas rescisórias em decorrência da rescisão indireta mais o percentual proporcional à função complementar que reflete nas verbas rescisórias dessa também). A depender do porte da empresa, esse justo pagamento pode acarretar prejuízo no balanço financeiro posteriormente.

Outro prejuízo é o desgaste, físico e emocional, de seus funcionários. Devido à sobrecarga de trabalho, o colaborador não descansa adequadamente e está sempre cansado, desmotivado e estressado com as inúmeras cobranças e ausência de recompensa, podendo desencadear em síndrome do burnout, crise de ansiedade, síndrome do pânico, depressão, dentre outras – nesse caso, inclusive, caso comprovado, o funcionário pode se afastar do trabalho pelo INSS para tratar de sua saúde mental, ou seja, mais um custo desnecessário para a empresa que podia ser evitado.

Além disso, tem a baixa produtividade da equipe por sentir-se desmotivada, insegura e receosa com as práticas adotadas, diminuindo o engajamento entre os funcionários, prejudicando o clima organizacional da empresa.

Também se tem o quadro de funcionários instável, pois muitos funcionários podem se sentir ameaçados com a postura da empresa e procuram oportunidades em outras empresas, além da baixa retenção de novos talentos em futuros processos seletivos em decorrência da má reputação no mercado. Nesse caso, a alta rotatividade de funcionários prejudica a empresa, interna e perante à sociedade, causando-lhe má reputação no mercado.

Com o acúmulo de função configurado, a empresa está sujeita, também, às denúncias por parte de seus funcionários e/ou terceiros ao Ministério Público do Trabalho, podendo ser aberto um inquérito/investigação para apurar o ocorrido.

Importante mencionar que, por mais que a responsabilidade de se comprovar o acúmulo de função cabe ao funcionário e que a sua função e salário tenham que estar expressamente previstos em contrato e na CTPS, em hipótese nenhuma é permitido se alterar o mesmo sem o consentimento do próprio funcionário.

Ou seja, quando é denunciado o acúmulo de função, não pode a gestão da empresa alterar o contrato do funcionário sem o seu prévio e expresso consentimento para poder, eventualmente, beneficiar-se e se esquivar de qualquer penalidade. Caso contrário, a alteração será considerada nula.

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